Era uma segunda-feira. Precisava terminar alguns serviços. Um relatório nem estava no meio e já passava de uma hora da tarde. Nem havia comido nada pela manhã. Viver sózinha dá nisso: ninguém para cozinhar ou nos cuidar! Pensou.
A contragosto levantou-se para preparar algo para comer. Foi quando sentiu a forte dor na nuca. Baixou a cabeça, e sentiu um líquido frio escorrer passou a mão ao redor do pescoço, mas nada havia; a dor aumentou tanto que chegou a deitar, mas teve que levantar ligeiro pois o estômago embrulhado lhe dizia que ia vomitar. Entretanto vomitar o quê?
O Altíssimo É Perfeito em suas construções! Vômitos e desmaios serviam muitas vezes para proteger o cérebro de uma 'pane' perigosa. Havia algo muito grave acontecendo com ela!
Quando as pernas começaram a perder sua autonomia e a visão embaçar, ela clamou com a voz por um fio: 'Valei-me Dr. Fritz'! Lembrou-se dele que havia dito, que se um dia em qualquer parte do mundo, alguém precisasse de ajuda, podia chamar – ele, viria ajudar.
Sentindo a cabeça pesar e o mal estar horrível, ela bateu a mão no gabinete por duas vezes - não havia tempo para desligar normalmente o PC; pegou o RG, o celular e as chaves e saiu porta à fora …
O mundo perdeu a cor, todos os males, todas as felicidades dele já não tinha importância. Depois de já ter passado por duas EQMs, ela não sabia se aquele seria o ponto parágrafo de sua vida.
O vômito veio por duas vezes, e suas pernas já não agüentavam o peso do corpo. Abriu o portão e o corpo encostado à parede foi 'escorrendo' devagar para o chão e ficou ali. Tentou por duas vezes chamar a SAMUR, mas a ligação não completava – será que era por não ter créditos? Um vizinho da janela gritou:
- Vizinha você precisa de ajuda? Ela queria responder, mas a voz não saía audível o suficiente. Novamente ele fez a pergunta e ela levantou a mão. Ele gritou que estava descendo.
Pegou o celular dela, mas não conseguiu ligar também. O bizarro disso é que COMO um órgão público não aceita ligação se um celular não tiver crédito? Como é isso? Se fosse de madrugada e ela estivesse tentando pedir socorro...? teria que primeiro ligar para a polícia e pedir para esta, ligar para um órgão de Saúde?
Pessoas que passavam pela rua acorreram em ajuda e começaram a ligar; até que o vizinho voltou e disse-lhe: “Vizinha, a SAMUR está vindo viu”? Ela agradeceu. A boca parecia estar cheia de água e novamente a ânsia chegou. Largada ao chão frio nem mais se importou com as pessoas que a olhavam. Não tinha forças para levantar, para reclamar, gritar... Nada mais a importava.
Não se sabe quanto tempo foi a espera, mas finalmente o veículo da SAMUR parou à porta, e ela se sentiu como se no colo da mãe. Entretanto, depois dos pré exames, a enfermeira lhe disse que sua PA estava ótima, que ela não tinha Diabetes... fez algumas perguntas... Nada! Ela não tinha nada dos critérios exigidos pela autarquia para que fosse removida a um hospital! E o pensado 'colo de mãe' foi embora deixando-a ali, do mesmo jeito que estava. E teria ficado ali para sempre ou morrido, se os vizinhos não começassem a procurar alguém que tivesse carro. Um outro vizinho que nem conhecia – mas que disseram ser Protestante, se disponibilizou a ajudar, mesmo com o velho automóvel carregado com materiais do seu trabalho.
Apesar de ter-se dito apressado, ele rodou alguns quilometros para deixá-la num hospital que não mandava doentes de volta para casa – o Ernesto Simões.
Numa maca ao lado de tantas outras no corredor, ela viu algumas vidas se apagarem – por suicídio. Nem tinha idéia que tantas pessoas assim procuravam a morte! Eram jovens, muitos jovens; naqueles dias a mais velha tinha apenas 24 anos! Muitas vidas foram salvas, mas infelizmente, outras já chegaram lá sem tempo.
Ela pediu para alguém avisar a um grupo do Movimento Social onde estava fazendo um Curso. Muitos colegas companheiros entraram em ação. Foi um susto para todos – imagine então para quem de repente tinha a vida sob um fio...
Foi o primeiro hospital onde ela presenciou um salvamento de vida! O suor escorria pelo rosto de um médico negro vestindo roupa cor -de- abóbora: ela nunca vira um uniforme além do branco ou em tons de azul.
A rapidez e exatidão das suas ações, salvou a vida daquela menina que havia desistido de ficar entre os vivos. Isso foi em questão de minutos em que ela esqueceu o 'piripac' que teve para observar um cavalheiro montado em seu cavalo de raça, a brandir sua espada até matar a Morte...
Quando ele terminou de fazer tudo o que sabia, o que intuiu, o que mandava sua experiência, a vontade, o amor devotado aos seus pacientes, pediu às enfermeiras para tirá-la do corredor; retirou as luvas, enxugou com um pedaço de gaze o suor e deu um leve sorriso.
Se tivesse olhado noutra direção a teria visto com lágrimas compridas nuns olhos que também sorria. Não Cazuza, certamente nem todos nossos heróis morreram por overdose! Alguns semideuses sobreviveram ou renasceram e isso faz a beleza de ser um Filho do Pai! Há heróis - e heroínas - espalhados entre nós todo o tempo, apenas precisamos prestar mais atenção, observar melhor, sem amarras no coração.
Ela nunca antes o havia conhecido, nunca estive naquele hospital nem conhecia a garota que havia tentado se envenenar. Mas acredito que nada em nossa vida ocorre meramentee, por acaso.
Todo o tempo que ficou lá o viu salvar vidas. Viu o respeito que ele conversava com os pacientes – fossem seus ou não -, com seus colegas e enfermeiras, mesmo com um plantão puxado por outras cirurgias. Alguém lhe dissera depois: 'Quando aquele homem está lá, ninguém morre'!
Foi ele que pediu os exames: Tomografia, ECG, Raios X, soro medular, e um outro doloroso, onde fizeram um pequeno corte numa veia, o que iria monitorar e 'fotografar' as ligações venosas cérebral.
Ela leu o que estava diagnosticado ali, e a surpresa foi tanta que julgou 'brincadeira de mau gosto'! Nada havia em seu coração ou no corpo – Como podia ter acontecido aquilo? O aborrecimento que tivera a uns dias atrás? Os cigarros fumados desde os 17 anos?
Os companheiros não a abandonaram; estavam sempre ligando ou indo dormir numa cadeira ao lado dela. Mas quando algum não podia ir (afinal, todos tem que trabalhar!) ela sentia medo de morrer e não revê-los mais. Como ela podia morrer assim? E seus amigos em outros países – quem os avisaria?
Ali era um hospital público que muitos falavam mal por conta de estar sempre cheio de macas nos corredores. Era fácil descobrir o Por Quê: eles não mandavam doentes embora! TODOS que chegassem ficavam internados a menos que não houvesse espaço de jeito nenhum! Foi isso que salvou a vida daquela garota, de tantos outros... e a dela! Os médicos dali se atiravam de corpo e alma para salvar todos os doentes, (em especial aquele que tem nome de um Arcanjo e que a enviou para outro hospital, quando a Regulação liberou, exatamente no dia do seu aniversário! Todos os companheiros a parabenizaram, mas houve duas pessoas que novamente a fizeram chorar … uma mensagem da Índia de um amigo 'insuportável' que ela tanto amava, e um funcionário que nunca a viu, ao passar por ele , deitada numa maca de um outro hospital - especialista em Neurocirurgias - disse: 'Feliz Aniversário senhora'! Ela sorriu e agradeceu.
Aquele hospital era o ponto final, e o detalhe que poderia passar despercebido a outro, como a daquele funcionário que sequer viu direito, iria fazer diferença em sua vida: ela soube que voltaria para casa!
Para aguentar chegar até ali, o Dr. Prof., havia tomado algumas providências emergenciais. Não deixou de lhe medicar soros, e uma medicação que de tão forte 'secava' as veias. Para não sentir dor, não vomitar e a cabeça não voltar a sangrar... Ela estava aparentemente tão bem, que se alguém não visse os exames diria que mentia.
Por quê não é costume falar dos bons médicos? Será que eles estão se tornando tão raros assim? Naquele hospital à primeira vista poderia ser visto como 'bagunçado' pela quantidade de pessoas doentes – mas não era! Bagunça mesmo havia quando faltava água: como pode faltar água num hospital? Ainda bem que ela tinha prisão de ventre: houve noites que nem mágica poderia limpar os banheiros! Era sempre à noite ou de manhãzinha e o transtorno estava feito!
Entretanto, no hospital para o qual foi transferida não faltava nada. As enfermarias eram individuais cada qual com TV, campainha, criados-mudos, ar condicionado... Lá não faltou água nunca.
A sala de cirurgia era gelada demais! Havia muitos médicos para cuidar de 1 paciente ( no outro, público, era 1 médico para 'n' pacientes!). O Anestesista um dos simpáticos rapazes a olhou de esguelha, sorridente e disse que a iria po-la a dormir. Ela sorriu e repondeu: 'Se não me trouxer de volta eu o processo viu?' Algum tempo depois, ela acordou com o corpo e o pescoço, cheio de fios, 'coisas' bipando, sonda, e metade da cabeça embrulhada em esparadrapos.
O Neuro foi vê-la no outro dia. Era tão magrinho, e tão jovem, com olhos inquietos, perfurantes, inteligentes... Era como se estivesse desafiando obstáculos todo o tempo, e medindo força com eles, até ganhar batalhas. Aquele não era era um Arcanjo – era um Profeta! E ele havia ganho a batalha por sua vida – um presente de aniversário enviado pelos deuses!
Era esquisito saber que seus cabelos foram cortados, que cortaram seu couro cabeludo e que seu crânio fora serrado! ...
Poucas pessoas voltam à sua normalidade depois de ter múltiplos Aneurismas em seu cérebro! Ela ficou com pouca visão no olho direito, sem sentir cheiros e com pouco paladar; no entanto, sua mente não sofreu alterações no pensar, agir, falar, estudar... Mas ainda havia ficado uma outra ameaça intracaraniana...
Todos morreremos – nascemos com essa certeza, mas poucas pessoas querem morrer; tem medo do que pode ou não estar 'do outro lado'. Ela não teve muito: alguém prometera voltar e pegá-la de volta: se ele não apareceu, então não era hora, ainda.
Após uma semana da cirurgia, julgava-se capaz de vencer uma São Silvestre! E o 'doutor dos olhos bonitos' a expulsou finalmente para casa!
Ela teve muita sorte – se outras pessoas encontrassem metade de companheiros, Vizinhos, Enfermeiras, Assistentes Sociais e Médicos que ela encontrou de uma só vez em seu caminho, a problemática da Saúde em Salvador estaria a um passo do paraíso!
O único problema na história é que o hospital que fez a cirurgia pediu que a revisão fosse marcada via um telefone de Call Center: há dois meses ela ainda não consegue falar com ninguém! Fica a pergunta indignada: COMO um hospital que opera não dá prioridade aos seus pacientes do nível 'público'? Nenhum tratamento médico, cirurgia, etc, feita por qualquer hospital, especialmente os chamados particulares, não são pagos. Quanto será que o SESAB pagou pelos serviços cirúrgicos?
Será que o pagamento de tudo, não serviria também para a revisão, para que ela saiba se vai ter uma vida normal ou algo pode pifar de repente? Como trabalhar, como Viver tendo uma guilhotina sobre a cabeça? Quem resolve o impasse? O MP, DH, o Estado, ou a Nação?
Naquele dia, quase aos três meses da cirurgia feita, decidiu que procuraria ajuda fosse em que lugar fosse. Nem que tivesse de fazer um cartaz e sentar à beira de alguma estrada, até que alguém tomasse uma providência. Pobre também tem direito a ter Vida.
Ou não?
Outubro / 2010
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